A instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente em 13 de julho de 1990, foi um divisor de águas no que diz respeito à forma como esses menores são vistos perante a sociedade. Se antes as crianças eram apenas “pequenas pessoas” que se preparavam para a vida adulta; a partir da criação do ECA elas passam a ter direitos assegurados por lei, como qualquer outro cidadão, tendo como garantia o acesso à saúde, educação, assistência social e lazer; direitos esses que precisam ser garantidos e exercidos pelos adultos.
Muito já se avançou desde então. A cada ano, novas políticas públicas são pensadas e executadas para que as gerações iniciais tenham cada vez mais uma melhor qualidade de vida e perspectiva de futuro, cabendo aos órgãos públicos promover e fiscalizar para garantir que os direitos infantis sejam exercidos devidamente.
Na Universidade Federal de Viçosa, o Instituto de Políticas Públicas e Desenvolvimento Social – IPPDS, promove grupos de estudos e pesquisas para a promoção de políticas públicas para as infâncias.
A equipe do IPPDS conversou com Maria de Lourdes Mattos Barreto, professora do Departamento de Economia Doméstica, no curso de Educação Infantil e coordenadora geral dos Laboratórios de Desenvolvimento Infantil e Desenvolvimento Humano da Universidade Federal de Viçosa – UFV. Também conversamos com Naise Valéria Guimarães Neves, professora do curso de Licenciatura em Educação Infantil da mesma instituição.
Em entrevista, elas falam um pouco sobre o trabalho desenvolvido pelo LDI/LDH – UFV e a importância do investimento em políticas públicas voltadas para as infâncias.
R: O que te fez querer atuar na área de desenvolvimento humano, em especial a educação infantil?
ML: Desde a minha graduação em economia doméstica eu me interessei pela área de família e desenvolvimento humano, em que especificamente eu trabalho com crianças na primeira infância; tanto no aspecto do próprio desenvolvimento da criança, como também política para a infância, perspectivas interdisciplinares para o estudo da infância, mas principalmente pesquisa com crianças, em que a criança é a fonte principal dos dados da pesquisa. então… nos 22 anos em que eu atuei na pós-graduação, grande parte das pesquisas que eu orientei de mestrado e doutorado, trouxeram a voz de crianças e adolescentes, mas principalmente as crianças pequenas, devido ao interesse mesmo e a importância da primeira infância nos primeiros anos de vida.
R: Por que é tão importante zelar e reivindicar os direitos dessas crianças nos primeiros anos de vida?
N: As políticas públicas são indispensáveis para que realmente se entenda que a criança é um sujeito de direitos, não só na legislação, mas fazer valer isso que está na legislação. Ser um sujeito de direitos é ser um sujeito que precisa ser ouvido, então a criança precisa ser ouvida. Essa escuta é uma escuta que ela precisa ser despida de qualquer preconceito. Quando eu digo preconceito, eu digo “pré-conceito”. aquela ideia de achar que a criança fala as coisas mas não sabe o que está dizendo, achar que a criança não sabe interpretar aquele mundo em que ela está vivendo e ela não sabe dizer as coisas que ela gostaria para a sociedade. Então fazer valer esses direitos é realmente entender que a criança necessita brincar, fazer as coisas por si mesma, ser encorajada para que ela faça as coisas por ela mesma e fazer com que a criança seja ouvida naquilo que ela interpreta sobre o mundo.
R: Em relação à promoção de políticas públicas para a primeira infância, de uma maneira geral, quais você diria que são os avanços já obtidos até o momento? E o que ainda falta ser feito?
ML: Talvez o Brasil tenha a legislação e as políticas umas das mais interessantes e amplas. No caso da infância e adolescência especificamente, até o Estatuto da Criança e do Adolescente que tem 32 anos, ela foi uma legislação bastante ousada, mas pouco implementada, principalmente porque isso vale para todas as políticas públicas. Nós temos políticas que por um lado consideram o que a criança quer, o que a criança fala, aquilo que eu posso perceber de necessidade, é sempre o ponto de vista daquilo que nós consideramos ser o melhor para a criança. Mas o grande problema é que essas políticas geralmente não saopolíticas de estado. Então muda o governo e a política muda também, não havendo uma continuidade e nem intersetorialidade. Então se você vai fazer um trabalho com crianças, você precisa pensar não só no aspecto educacional, mas também da saúde, da família, das questões que estão envolvidas na ação social… e há sempre uma interrupção social. Você tem um programa que pode estar dando certo, quando muda-se o governo, tenta-se mudar a política.
R: O que tem sido colocado em prática no Laboratório de Desenvolvimento Infantil e Desenvolvimento Humano da UFV que dialogue com essas políticas públicas de fortalecimento da primeira infância?
ML: No Laboratório de desenvolvimento Humano e Desenvolvimento Infantil, que estamos completando 43 anos este ano, nós atendemos 180 crianças, sorteadas por sorteio público, então não existe uma determinada categoria, todos os pais e mães preenchem e entram em um edital em que há um sorteio… então nós recebemos crianças de diversas camadas e setores de Viçosa. Então, ali ele é base para o desenvolvimento de disciplinas e aulas práticas para a formação dos futuros professores de educação infantil, mas também atendemos de outros cursos, inclusive de fora da UFV.
Fazemos o desenvolvimento de pesquisas que são realizadas lá ou pelos profissionais, professores e técnicos que atuam com a infância, projetos de extensão, que são projetos que nós desenvolvemos há muitos anos, em que vai levar aquilo que é produzido na universidade para as crianças da comunidade.
No IPPDS, o nosso grupo de pesquisa tanto foca na criança, no adolescente e na juventude, mas especificamente na infância, em que nós temos os nossos pesquisadores que são estudantes atuais de mestrado e doutorado, aqueles que já passaram pelo mestrado e doutorado comigo e com a professora Lilian e que continuam desenvolvendo pesquisas com o tema “infância” das mais variadas temáticas.
Também trabalhamos com um grupos de estudos, mas principalmente com projetos de convênios de prefeituras, como por exemplo o nosso último que foi uma parceria com a Prefeitura Municipal de Viçosa, que foi um curso de formação para professores da educação infantil, um curso de aperfeiçoamento com carga horária de 220 horas, em que trabalhamos de uma maneira bem diferente até do que vínhamos trabalhando, mais próximo com o grupo de professores.
R: E como são as abordagens educacionais do LDI/LDH especificamente?
N: Nós temos uma proposta de trabalho por meio de projetos, que são projetos temáticos, mas na maioria das vezes vêm das necessidades de investigação das próprias crianças, das curiosidades delas, então a partir disso toda uma proposta de trabalho do cotidiano é desenvolvida com elas. Então elas vão investigar aquilo que elas sentem necessidade; elas discutem, elas são ouvidas em todos os processos; elas vivem diferentes experiências tanto no ambiente interno, quanto no ambiente externo; elas, estimuladas pelas professoras têm todo um trabalho em todas as dimensões em relação às linguagens…
Então é um trabalho onde resumindo… a criança é protagonista daquela vivência naquele espaço, planejado para elas, na altura delas, elas exploram todos os ambientes sem nenhuma restrição, pois todo aquele espaço está sendo planejado para elas. a partir disso elas vão construindo conhecimentos sobre o mundo e sobre todas as questões que as cercam, mediados pela professoras.